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Projeto polêmico mostra o dilema de ser ou não da Amazônia Legal

POLÍTICA AÇÃO CONTRA O ESTADO 21/03/2022 11:30 www.diariodecuiaba.com.br
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Deputado quer retirar MT da região à qual pertence desde 1953; proposta divide opiniões

País continental, porém litorâneo até o começo dos anos 1930, o Brasil buscava a interiorização para assegurar a integração nacional e derrubar as barreiras geográficas que mantinham os povos da floresta, cerrado, aldeamentos e cidades das regiões Norte e Centro-Oeste praticamente isolados dos demais brasileiros.

Assim, em 1931 surgiu o Serviço Aéreo Postal Militar embrião do Correio Aéreo Nacional (CAN), que criou rotas ligando Belém, Manaus e outras cidades amazônicas ao eixo Rio-São Paulo, sem observar as menores distâncias, mas contemplando com escalas as localidades no percurso.

Em 1943, o diretor de Rotas Aéreas, brigadeiro Eduardo Gomes estendeu os voos a Belém e Macapá operando o lendário bimotor Douglas C-47.

A longa distância entre o Rio de Janeiro e Belém exigia pistas intermediárias para reabastecimento, e uma delas foi construída em Mato Grosso, na área que mais tarde seria o Parque Indígena do Xingu, mais precisamente em Canarana (823 km a Nordeste de Cuiabá), na área onde anualmente etnias xinguanas celebram o Kuarup.

Os aviões do CAN realizavam nos ares o mesmo que os barcos da navegação interiorana faziam nos rios. Mas, até que em 1953 faltava política de desenvolvimento regional amazônico e essa realidade levou o presidente Getúlio Vargas a instituir a Amazônia Legal formada pelos estados da Bacia Amazônica, Mato Grosso e a parte maranhense identificada com o vizinho Pará.

Para funcionar a máquina administrativa da região Vargas criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que, em 1966, o presidente Castelo Branco transformaria na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), que num curto período do governo de Fernando Henrique Cardoso ganhou o nome de Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA).

Ainda nos anos 1960, os militares que estavam no poder criaram o Projeto Rondon, pelo qual universitários levavam ampla assistência às populações tanto na Amazônia Legal quanto em outras regiões.

Nos anos 1940, a Amazônia Legal era um grande vazio demográfico e havia temor que os Estados Unidos e seus aliados a ocupassem tornando-a uma área supranacional como é o caso da Antártida.

Por inspiração do cuiabano e ministro da Guerra, marechal Eurico Gaspar Dutra, Vargas criou a Fundação Brasil Central (FBC) com escritório referencial em Aragarças (GO), de onde partiram as expedições dos irmãos Villas-Bôas em busca de povos indígenas, para protege-los.

Paralelamente a essa ação, o coronel do Exército Flaviano de Mattos Vanique tentou encontrar um local para a construção de uma nova capital brasileira, em plena segunda guerra mundial, em razão dos ataques alemães a navios do Brasil, o que poderia descambar em bombardeio ao Rio de Janeiro.

A incursão de Vanique resultou na criação de Nova Xavantina.

Nos anos 1950, o presidente Juscelino Kubitschek (JK) planejou a integração rodoviária da Amazônia Legal com Brasília, a capital que seu governo construía no cerrado goiano.

JK concretizou parcialmente o plano: a rodovia interligou Rio Branco (AC), Porto Velho (RO), Cuiabá e Belém (PA) a Brasília e ao eixo Rio-São Paulo.

Porém, a BR-230 Transamazônica e a BR-163 Cuiabá-Santarém somente sairiam do papel nos anos 1970.

Antes, por rodovia, o isolamento era quase total. O pioneirismo no transporte rodoviário de cargas foi de Joaquim Amâncio Filho, o Nêgo Amâncio, que, em 1934, incluiu Guiratinga nos trajetos sua transportadora Nêgo Amâncio, com sede em Uberlândia (MG).

Ainda na década de 1950, mais precisamente em 1952, o trem da Noroeste do Brasil (NOB) apitou em Corumbá (antes MT e agora MS), na fronteira com a Bolívia, retirando a Amazônia Legal do isolamento ferroviário, porque os trilhos ligavam Corumbá e Campo Grande à malha paulista e ao trem boliviano para La Paz.

Antes, em 1912, a região ganhou sua primeira ferrovia, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, com 366 quilômetros ligando Guajará Mirim, então município de Vila Bela da Santíssima Trindade, a Porto Velho, que pertencia a Manaus; essa obra nasceu do Tratado de Petrópolis, pelo qual o Brasil asseguraria o acesso boliviano ao mar pelo trem e os rios Madeira e Amazonas.

Por falta de lucratividade a Madeira-Mamoré foi desativada em 1972 e hoje Guajará e Porto Velho são interligadas por rodovia pavimentada.

Em 2012, o trem da Rumo Logística apitou no maior terminal de cargas agrícolas da América Latina, em Rondonópolis; os trilhos fazem a ligação com o porto Santos e tendo terminais de carga em Itiquira, Alto Araguaia e Alto Taquari.

Em 2021, o governador Mauro Mendes concedeu a Ferrovia Senador Vicente Vuolo à Rumo, para que a empresa construa seus trechos de Rondonópolis a Cuiabá e de uma bifurcação próxima a Campo Verde, até Lucas do Rio Verde, numa extensão de 743 quilômetros e a explore; e o presidente Jair Bolsonaro lançou a construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Mara Rosa (GO) e Água Boa, com 383 quilômetros de extensão.

Nos anos 1970, a Amazônia Legal estava no centro das atenções no Brasil.

A região ganhou um grande fluxo migratório que despertava interesse de investidores e agropecuaristas pelos generosos financiamentos a juros baixos e com carência oferecidos pelo Banco da Amazônia e por programas especiais iguais o Programa de Incentivo à Produção de Borracha Natural (Probor) executado pela Superintendência da Borracha (Sudhevea).

Além desse público, a região também ficou na mira de atingidos por barragens, removidos de terras indígenas e de uma gama de sonhadores.

Gaúcha do Norte foi colonizada basicamente por agricultores que perderam suas terras com a construção da Hidrelétrica Binacional de Itaipu.

Terra Nova do Norte e Nova Guarita foram colonizadas por ex-posseiros na Terra Indígena Caingangue, no Rio Grande do Sul; a realocação desse pessoal foi coordenada pelo pastor luterano e colonizador Norberto Schwantes.

Novo Mundo e Guarantã do Norte receberam levas de pioneiros que cultivavam no Paraguai onde eram vítimas de xenofobia; graças ao trabalho da irmã Glícia Maria Barbosa da Silva, aqueles brasileiros foram contemplados com parcelas de terra do Incra e trocaram a incerteza no exterior pela paz mato-grossense.

Assim, a Amazônia Legal virou uma espécie de válvula de pressão para aliviar tensões sociais em outras regiões.

Também nos anos 1970 a descoberta do ouro em Peixoto de Azevedo, no Nortão, e região, provocou uma corrida àquele metal, que continuou até 1994, quando a pressão ambiental mudou a matriz de extração do garimpo para a mineração.

Ainda nos anos 1970, Cuiabá recebeu o rótulo de Portal da Amazônia.

Estava em curso uma grande transformação na Amazônia Legal. Mato Grosso deixava a extração dos seringais nativos, nos quais se destacou o ex-presidente da Assembleia Legislativa, Mário Spinelli, e mergulhava na exploração empresarial dessa atividade, que em seu ponto alto levou para Itiquira a multinacional de pneus Michelin.

Do mundo da seringa, nasceu o nome de um dos maiores municípios agrícolas do mundo: Lucas do Rio Verde – o seringueiro Francisco Lucas de Barros morava em um barraco à margem do rio Verde; quando alguém se referia àquela região, dizia: 'lá no Lucas do rio Verde'.

Os jovens cuiabanos trocaram as faculdades do Rio de Janeiro pela recém-criada UFMT. Naquela e na década seguinte surgiam cidades da noite para o dia nas regiões do Vale do Araguaia, fronteira, Chapadão do Parecis e no chamado Nortão.

O vazio demográfico era substituído pelos moradores em Sinop, Água Boa, Marcelândia, Cláudia, Brasnorte, Lucas do Rio Verde, Canarana, Guarantã do Norte, Mirassol D'Oeste, Comodoro, Vila Rica, Alta Floresta, Santa Rita do Trivelato, Nova Monte Verde, Confresa, São José dos Quatro Marcos, Juína, Juara, Tabaporã, Nova Mutum, Terra Nova do Norte, Querência, Campo Novo do Parecis, Colíder, Sorriso, Nova Ubiratã, Ribeirão Cascalheira, Nova Olímpia e outras localidades.

Os principais indicadores sociais sempre registram bons índices na Amazônia Legal, mas, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a região virou palco de conflitos entre ambientalistas e o sistema produtivo.

O modelo de colonização da região choca com as regras ambientais criadas após sua ocupação.

O uso do solo era regulamentado pelo Estatuto da Terra, de 1964.

Antes, o Ibra, antecessor do Incra, e a Sucam, que foi o embrião da Funasa, orientavam para que as margens dos córregos e rios fossem desmatadas para evitar a proliferação do mosquito anofelino, transmissor da malária.

Os avanços agronômicos são visíveis e a relação homem-meio ambiente melhorou com o plantio direto, a conservação das matas ciliares, rotação de culturas e outras práticas agronômicas e ambientais.

Operações integradas do Ibama com a Polícia Federal e a Força Nacional combatem desmatamento e garimpos ilegais na Amazônia Legal.

Satélites a serviço do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) monitoram a região em tempo real.

Em 2020 e 2021, o Pantanal enfrentou estiagem e incêndios florestais, mas o momento ambiental mais crítico aconteceu em 2021 com o fogo devastando em todas as regiões; em razão do fogaréu a fumaça chegou a Rio Branco no Acre e o governo acreano advertiu que poderia acionar o Palácio Paiaguás no Supremo Tribunal Federal, por conta das doenças respiratórias causadas pela poluição do ar.

Trades, entidades de produtores e autoridades criam governança para impedir o avanço da lavoura.

Paralelamente a isso, entrou em vigor a Lei Kandir, de 1966, que desonera commodities para exportação.

Sai de cena a agropecuária e surge o agronegócio, atividade que movimenta bilhões de reais na Amazônia Legal. Produtores rurais mergulham em endividamento e conseguem rolagem de dívidas.

Cultivam no centro da América do Sul, mas com o olhar voltado para a Bolsa de Chicago e a flutuação cambial do dólar.

Coincidentemente ou não, boa parte das reservas minerais estão no subsolo das áreas indígenas que se espalham por cerca de 15% da superfície territorial mato-grossense.

Produtores observam que algumas terras indígenas foram criadas a partir dos anos 1970 em áreas onde o projeto Radam mapeou existência de ouro, diamante, zinco e outros minerais.

O cultivo da soja começou em 1973, na Fazenda São Carlos, do produtor Adão Riograndino Mariano Salles, em Rondonópolis (212 km ao Sul da Capital).

Foi o ponto de partida para a expansão das lavouras e Mato Grosso assumiu a liderança nacional da produção de soja, milho, algodão e no rebanho bovino.

Na década de 1980 a economia foi diversificada com as plantas de usinas sucroalcooleiras tendo por pioneira a Barralcool, de Barra do Bugres, fundada pelos empresários Renê Barbour, João Petroni, Agostinho Sansão e outros; perto de Barra, em Nova Olímpia, o empresário Olacyr de Moraes instalou a maior usina de açúcar do mundo, a Itamarati.

As plantas industriais usineiras evoluíram para produção de biodiesel e geração de energia. A diversificação também incluiu a construção de plantas frigoríficas para abate bovino, e mais tarde suíno e de aves.

Nos anos 2000, ambientalistas e produtores criaram um fosso em seu relacionamento.

Um programa humorístico deu ao então governador Blairo Maggi o título de Motosserra de Ouro, e o ministro de Meio Ambiente, Carlos Minc ironizou que "se deixarem, Blairo planta soja nos Andes".

Esse fosso bota de um lado siglas sob as quais estão entidades representativas do agro, a exemplo da Famato, Ampa, Aprosoja, Aprosmat, Fundação MT e Acrimat, e de outro a corrente ambiental representada pelo WWF, ISA e Rios Vivos.

Em 2005, o governo estadual e o Ministério de Meio Ambiente firmaram um convênio em que Mato Grosso transferiu à União a gestão florestal.

O uso do solo ganha contornos polêmicos.

Em suma, Mato Grosso tem dimensão quase continental e grande ativo ambiental, lidera a produção de grãos, fibras e carne bovina no Brasil, mas setores do agro insistem que a legislação o amordaça e tomam Juína, com 26,189 km – maior do que Sergipe - como exemplo.

As terras indígenas do município ocupam 61% de sua superfície, com 13 mil km² pertencentes à etnia cinta-larga e 3 mil km² a enawenê-Nawê.

O município tem ainda outra grande área de preservação permanente.

É a Estação Ecológica Iquê-Juruena com 188.274,10 hectares.

Em tese, excluindo-se as reservas indígenas e a estação ecológica, Juína teria uma área agricultável de 10 mil km², mas, na Amazônia Legal ,a legislação ambiental proíbe o corte raso em 80% da floresta.

Com isso, na prática, restam 2 mil km² à economia de Juína, dos quais se descontam ainda os perímetros urbanos da cidade e das vilas, os cursos das rodovias, as matas ciliares e as encostas.

O então senador Jonas Pinheiro, falecido em fevereiro de 2008, tentou retirar Mato Grosso da Amazônia Legal, sem sucesso.

Transcorridos 14 anos da morte de Jonas Pinheiro sua proposta ressurge, na Câmara, com um projeto do deputado Juarez Costa (MDB), relatado por Neri Geller (PP).

Nesta segunda-feira (21), o DIÁRIO mostra o que aconteceria em caso de aprovação e sanção do projeto de Juarez Costa, e o posicionamento de autoridades e de integrantes da cadeia do agro.


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